A Primeira Culpa
Era sua melhor amiga. Todos os sábados se encontravam no clube, e invariavelmente ela acabava indo para a casa da amiga.
Almoçavam na cozinha mesmo, só as duas. Lembrava-se de como tinha que comer até deixar o prato limpo, pois a mãe sempre lhe dissera que "jogar comida fora era pecado", e "é o restinho que engorda". O prato era grande, mas heroicamente comia tudo, até mesmo as odiosas cenouras cozidas, as quais tanto detestava. Pois nunca, em hipótese alguma, deveria pedir qualquer prato diferente do que fosse servido à mesa. E o prato já vinha feito pela empregada.
Após o almoço, o pai da amiga as levava a outro clube, esse um pouco mais distante, perto da lagoa. Era sua recompensa afinal. Adorava o pai da amiga, achava-o um verdadeiro gentleman. Era bonito, educado, e jogava tênis. E quando chegavam ao clube, ele as deixava pegarem o que quisessem com o baleiro da porta. Raramente comia balas em casa, a mãe dizia que estragavam os dentes. Mas era tão gostoso!
Após uma tarde de recreação no clube, voltavam à casa, onde se encontravam com a mãe da amiga, e iam todos invariavelmente a um restaurante italiano comer uma massa. Mais à noitinha, deixavam-na em casa.
E assim se passaram vários sábados. Um dia, no clube, a mãe da amiga perguntou a sua mãe se no próximo sábado ela poderia estudar com a filha uma matéria da qual teriam prova em breve no colégio. A amiga era fraquinha nos estudos, e ela era uma das melhores da classe. "Claro que sim", foi a resposta.
Como não queria que fizesse feio, a mãe mandou-a estudar a matéria com antecedência para melhor ensinar à amiga. E ela fez exatamente isso, sabia tudo de cor.
Chegando o sábado fatídico, a mãe da amiga deixou-as no apartamento e saiu. Não iriam ao clube daquela vez. Sábado indolente, sábado morno, sábado tentador! Ela lembrava que deveriam estudar, mas não tinha coragem de se opor à amiga, afinal estava na casa dela. E brincaram a tarde inteira, se divertiram, até o momento da chegada da mãe da amiga.
"Estudaram?", foi a primeira pergunta que ouviram. Com a mesma intensidade que gostava do pai da amiga, desgostava da mãe. A amiga titubeou, mas acabou mentindo dizendo que haviam estudado. Ela não se deu por convencida.
"Adriana, vou te tomar a matéria. Pode começar, dá cá o caderno", disse, com voz de trombone. A amiga gaguejou, suou, suava em abundância nas mãos. Não conseguia repetir a lição. Ela sofria pela amiga, além de se sentir constrangida ao máximo assistindo à cena. Não deveria estar ali, "o que estava fazendo ali?", pensava. Queria sair correndo.
E a mãe cuspindo fúria: "Você não sabe nada, Adriana! O que tem na cabeça, qual o seu problema? Aposto que sua amiga sabe tudo, ela é inteligente!" E se dirigindo a ela, com um olhar cortante como faca, lançou o veneno: "Vamos lá, recita a lição".
E ela, sentindo-se a menor pessoa do mundo, completamente helpless, começou a cantilena. "O Índio. O dia dezenove de abril é o dia do índio. Os índios vivem em ocas ou malocas no meio da floresta..."
2 comentários:
m.,
creio que compreendeste o que eu quero dizer...
Eu tambèm achava a mae um saco...
Quanto ao pai, tambèm, concordamos...
HEHEHEHE...
Beijos...
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