sexta-feira, 27 de abril de 2007

Borges e A Linguagem Analitica de John Wilkins

Funes, el memorioso, me recomendou um ensaio de Jorge Luis Borges. Vou comentar uns trechos que achei muito interessantes.

No ensaio, Borges trata de um tal John Wilkins, que no seculo XVII tentou criar uma nova lingua, de certa forma mais racional que as que temos hoje em dia. Ele descreve algumas palavras, a logica que ha por tras dos conceitos, e obviamente as varias arbitrariedades que aparecem. Diz Borges:

"Nos nao sabemos como o universo eh. Esse mundo - escreveu David Hume - eh apenas o primeiro rude ensaio de uma divindade infantil, que posteriormente o abandonou, envergonhado de sua execucao deficiente; eh obra de um deus subalterno e objeto de chacota por parte de seus superiores; eh a confusa producao de uma divindade decrepita e ultrapassada, que ja morreu. Mas podemos ir mais alem: suspeito que nao ha universo no sentido organico, unificador, que tem essa palavra ambiciosa. Se ha, falta conjecturar seu proposito; falta conjecturar as palavras, as definicoes, as etimologias, os sinonimos, do secreto dicionario de Deus. A impossibilidade de penetrar o esquema divino do universo nao consegue, entretanto, nos dissuadir de planejar esquemas humanos, ainda que saibamos que sao provisorios."

E termina com uma citacao de Chesterton:

"O homem sabe que ha na alma tintas mais desconcertantes, mais inumeraveis e mais anonimas que as cores de uma floresta no outono... Cre, entretanto, que essas tintas, em todas os seus tons e semi-tons, em todas as suas misturas e fusoes, podem ser representadas com precisao por um mecanismo arbitrario de grunhidos e gritos. Ele acredita que do interior de um corretor de acoes saem realmente ruidos que significam todos os misterios da memoria e todas as agonias do desejo."

Ou seja, a realidade existe dentro de nos apenas. Como nao conseguimos expressar essa realidade de forma precisa, tentamos coloca-la da melhor forma possivel, por mais defeituosa que essa forma possa ser. A realidade expressa nunca eh nem nunca sera completa, por falta de um mecanismo preciso de expressao.

Alias, eh exatamente isso que me ocorre no momento: ha na alma as tintas desconcertantes, inumeraveis, anonimas, em maior profusao do que as que ocorrem em uma floresta durante o outono - alias, uma das coisas mais deslumbrantes que ja vi. Mas como expressar de forma satisfatoria tudo o que vai na alma, se nao ha palavras, nao ha expressoes, nao ha forma de comunicacao precisa? Somente quando inventarem uma fotografia que capture todas essas nuances eh que poderemos afirmar que aperfeicoamos o metodo. De outra forma, continuaremos a nao entender o proposito do universo.

6 comentários:

Blogildo disse...

Não é a toa que o Evangelho de João começa com "No princípio era o Logos..."

Anônimo disse...

m.,

your label (ESPIRITUALIDADES) speaks louder than Borges´ text. actually, with that single word you go more to the point than all his words combined.

feelings, expressions, perceptions, mood, humour, etc. (or, for that matter, colors) cannot always be expressed by us in their whole sense. only our inner side can understand them at the very moment they happen to us. you call them espiritualidades. i call them electrochemistry... and not even that definition can be precise!...

A Furiosa disse...

Chesterton é uma destas leituras fundamentais que quase ninguém mais faz.
Ortodoxia neles!

Anônimo disse...

Eu considero a realidade algo mutável.
A realidade de cada um está intimamente ligada a sua personalidade e capacidade de discernimento.
A realidade é aquilo que vc vê e interpreta baseada em sua experiência, vivência e sentimentos.

Anônimo disse...

Obrigada pela dica Blogildo, adorei!

Beijos
Sônia

PS: Parabéns pelo Neném!

Blogildo disse...

Obrigado, Sônia! Bom fim-de-semana!