quinta-feira, 14 de julho de 2011

Culpado ou Não?

No final de semana passado houve um acidente polêmico aqui em São Paulo. Eram 2.30 da manhã, uma mulher em uma Tucson furou um sinal vermelho e bateu com um Porsche conduzido por um cara a 150km/h. Ela morreu no local e ele teve apenas ferimentos leves.

De cara começou o preconceito idiota em relação a quem tem dinheiro no país: o sujeito dirigia um Porsche! Ele tem dinheiro! Ele é riquinho! Coitadinha da mulher! Ora, quem tem uma Tucson com certeza tem menos dinheiro do que quem tem um Porsche, mas não é pobre não. Por causa disso queriam que o sujeito não tivesse chance de responder ao processo em liberdade, e também por causa disso queriam enquadrá-lo em homicídio doloso (com intenção de matar), o que simplesmente é um absurdo.

Discutindo o assunto com meu marido ontem em um restaurante, ele achava o sujeito culpado e eu achava o sujeito inocente. O argumento de que se o cara não estivesse a 150km/h a mulher *provavelmente* não teria morrido é simplesmente ridículo. Rebato da seguinte forma: se a mulher não tivesse furado o sinal, ela *com toda a certeza* não estaria morta, estando o cara a 150 ou a 60km/h.

Como classificar o acidente então? Ora, foi uma fatalidade. Ela furou o sinal e morreu, não houve culpados. O Estado pode e deve aplicar sanções em relação ao cara do Porsche - pode recolher sua permissão de condução, pode obrigá-lo a fazer aulas de reciclagem, pode inclusive condená-lo a penas alternativas tais quais a prestação de serviços comunitários. Mas não pode enquadrá-lo como assassino.

No final o cara vai responder ao processo em liberdade, depois de pagar uma fiança absurda de R$300 mil. Espero que a sua família tenha contratado o advogado mais famoso de São Paulo para defendê-lo, porque a imprensa imbecil do país já condenou-o desde o início: primeiro por ter um Porsche, e depois por dirigir em alta velocidade. O fato da mulher ter furado o sinal é citado en passant em todas as reportagens que li, *como se isso não fosse proibido pela lei*. Ah, em São Paulo todo mundo fura o sinal de madrugada, se não é assaltado! Isso não é desculpa (nem defesa válida) na minha opinião. A lei é a lei e a lei diz que você deve parar em um sinal vermelho, não importa a hora do dia. Ah, ele estava dirigindo a 150km/h, de acordo com depoimentos (bem, eu acho que uma perícia deve provar que ele estava dirigindo a 150km/h, depoimentos não valem um tostão furado). Qual a pena para quem dirige acima da velocidade permitida na cidade? Que eu saiba, é multa de trânsito e recolhimento da carteira.

De mais a mais, em um país onde cantores de pagode e jogadores de futebol já mataram muito mais que uma pessoa em acidentes muito piores (e com claros culpados) e NUNCA pagaram por seus crimes, onde um editor de jornal já matou a namorada com tiro de execução na nuca e NUNCA foi para a cadeia, por que esse rapaz deveria ir, não é? Eu sinceramente acho que ele é inocente e que a moça foi a responsável pela própria morte. E se eu estivesse na pele dele, já estaria cruzando a fronteira entre o Brasil e a Bolívia...

6 comentários:

Vinicius disse...

Existe também o que se denomina culpa concorrente. O evento ocorreu, em concorrência de culpas, a cupla da motorista da TUCSON que atravessa sinal vermelho, e culpa do motorista do PORSHE que em velocidade incompatível com o local não consegue evitar o acidente. O ponto importante é que a culpa não é exclusiva de apenas um dos envolvidos. O valor da fiança decorre do fato de que alguém que tem um PORSHE, pode muito bem atravessar a fronteira entre Brasil e Bolivia, por exemplo.

patricia m. disse...

Eh PORSCHE... :-)
E depois desse acidente comprovadamente podemos dizer que os alemães são incríveis. Meus cumprimentos à Porsche, sempre admirei seus carros, não apenas pela beleza mas pela mecânica e agora segurança também.

Fábio Mayer disse...

A velocidade máxima da via era de 60km, como é em todo o Brasil, com poucas exceções.

Logo, assumiu o risco, mas o crime é doloso, porque trafegar acima da velocidade permitida em mais de 20% qualifica o ato dessa maneira.

A indignação não é porque ele é rico. É porque o país inteiro sabe que rico no Brasil, não vai para a cadeia, aproveita-se dos muitos recursos processuais, furta-se à responder ao processo, tenta evitar o juri popular e, em meio a uma barafunda de atos judiciais, acaba até fugindo do país se for o caso... tá acontecendo caso idêntico no PR com o deputado Carli Filho e com um herdeiro dos Brandalise, enquanto em SP a fiança do engenheiro foi fixada em 300 mil reais, para o garoto em Curitiba, expediu-se ordem de soltura sem maiores formalidades.

No caso de SP, ele ainda pode ter uma atenuante pelo fato dela ter furado o sinal vermelho em baixa velocidade, mas nesses casos, aplica-se uma regra de valoraração: quem cometeu a infração mais grave?

patricia m. disse...

Fabio, eu entendo seu argumento. Concordo que SE trafegar acima de 20% da velocidade permitida de uma via eh considerado CRIME, entao o sujeito cometeu um CRIME e portanto eh CRIMINOSO. Eu tenho ca minhas duvidas, ja trafeguei acima de 20% da velocidade permitida, fui pega e so tomei uma multa e pontos na carteira. Fosse crime, eu estaria presa ou no minimo com ficha suja na policia, nao eh?

patricia m. disse...

Entao, creio que CRIME ninguem cometeu, nem o sujeito que trafegava acima do permitido nem a sujeita que furou o sinal.

Na minha mente cartesiana de engenheira (nao sou advogada, gracas a Deus), continuo mantendo o seguinte: se ela nao furasse o sinal, nao haveria morte. Isso eh tao certo como o fato de que eu estou respirando no momento. Ja o argumento de que se ele estivesse trafegando a 60 por hora resultaria nao na morte dela, mas em ferimentos mais leves etc e tal, ninguem pode afirmar isso, nao eh? Ou me provem com batidas mecanicas que simulem exatamente a situacao do momento. Alias, alguem checou se a garota estava bebada tb?

Porque no Brasil, morreu virou santo...

Fábio Mayer disse...

É obvio que a culpa dela é concorrente. Porém, trafegar a 150 km/h em uma via urbana implica assumir o risco de matar uma pessoa, seja por ela atravessar o sinal vermelho, seja por ela atravessar na faixa no sinal aberto para ela, porque a 150 km/h a frenagem causa um risco enorme, que nem os ótimos freios da Porsche necessariamente solucionam.

Como eu disse, o ato mais grave será punido (em teoria,na prática, é sabido que ele vai conseguir até devolução da fiança) com alguma atenuante pela culpa concorrente da vítima.